A tecnologia do boato

O boato sempre fez parte da vida política no Brasil e no mundo, em todas as épocas. Porém a disseminação de mensagens com informações falsas tem encontrado terreno fértil entre as redes sociais, cujo acesso aumentou consideravelmente nos últimos anos entre a população brasileira. A situação chegou a tal ponto que no dia 5 de abril deste ano, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma reprodução de uma suposta ficha criminal da então ministra Dilma Roussef, candidata à presidência pelo PT, que relataria sua participação no planejamento ou na execução de ações armadas contra a ditadura militar.Após a repercussão negativa da reportagem, que foi questionada por Dilma Roussef, a Folha teve de publicar uma errata. O jornal admitiu ter errado ao afirmar na Primeira Página que a origem da ficha era o “arquivo [do] Dops”, quando na verdade, recebeu a imagem por e-mail. Ou seja, o jornal teria publicado um arquivo oriundo de um hoax, como são chamados os boatos que circulam pelas redes sociais e caixas de e-mails. A candidata petista chegou a contratar peritos da USP e da UNB que atestaram que a imagem seria realmente falsa.

Uma das regras que garante credibilidade ao jornalismo é não publicar um fato sem provas. Se até mesmo um veículo de comunicação tradicional como a Folha de S. Paulo publicou um hoax como se fosse verdade, quem dirá o eleitor comum, que é pulverizado diariamente com esse tipo de mensagem, que visa desmoralizar candidatos e partidos. A tentação de acreditar em mensagens é grande, afinal, na maioria das vezes elas não são enviadas por desconhecidos, mas encaminhadas por amigos.

Os boatos disseminados na internet não trazem somente informações falsas sobre políticos, autoridades públicas e pessoas famosas, mas também sobre empresas, produtos e os tipos mais diversos de assunto. Na maior parte das vezes o conteúdo visa destruir a imagem de pessoas, instituições e empresas. Além de informações falsas, fotografias manipuladas digitalmente, os boatos podem trazer vírus. É o caso de um e-mail cujo assunto é “Candidatura de Dilma Roussef pode ser cassada”, que sugere links que caso sejam acessados instalam um cavalo de tróia – um programa malicioso que dá acesso a todas as informações contidas no computador do usuário, inclusive senhas de banco.

Hoax Político

O hoax nada mais é do que um boato que ganhou ares tecnológicos com a internet e o acesso ao e-mail e às redes sociais. De acordo com Luiz Signates, pesquisador de Comunicação e Política e professor do mestrado em Comunicação das Universidades Federal e PUC de Goiás, o boato, na verdade, é a informação em seu modo mais informal, menos institucionalizado, portanto nem todo boato é necessariamente negativo ou inverídico. Para ele, os usuários aos poucos vão criando mecanismos de defesa e seleção daquilo que se torna disponível na internet, sendo que os hoax e spams estão sendo cada vez mais detestados.

No entanto, Signates acredita que os enganos e mentiras podem, sim, ganhar a opinião pública e se consolidarem, mas não vê, em nenhuma condição comunicacional, as possibilidades de as inverdades e informações mal-intencionadas tomarem conta da sociedade, em caráter predominante. “Boatos sempre foram mecanismos de destruição de imagem e de circulação informal de informação antes de existirem os meios modernos de comunicação”, ressalta.

Segundo o professor Luiz Signates, o hoax teria uma influência reduzida sobre o eleitor, pois atinge predominantemente as camadas mais altas e escolarizadas da sociedade. No entanto, ele afirma que não se deve subestimar a internet, pois esta se revela cada vez mais como um lugar privilegiado de formação da opinião e de posicionamento da imagem pública. “Parece trivial considerar que a rede terá uma expressão cada vez mais forte nas eleições, especialmente à medida que avançarem as políticas de inclusão digital”, acrescenta.

Segundo o jornalista Luiz Carlos Fernandes, especialista em Marketing Político pela UFG, os boatos não influenciam muito a não ser que consigam obter lastros nas camadas sociais e segmentos organizados, como aconteceu com o tema “aborto” nas eleições. “Os boatos são mais uma ferramenta de propaganda negativa, que ganha força com a internet e o Twitter, que podem até fazer algum estrago, mas não ao ponto de mudar os resultados de uma eleição”, afirma.

Para a jornalista Heloisa Lima, que cursa especialização em Marketing Político e Propaganda Eleitoral na USP, o hoax político influenciou consideravelmente a opinião do eleitorado, pois até mesmo pessoas escolarizadas acreditaram nos boatos e os passaram adiante. Ela cita como exemplo a candidata Dilma Roussef, que teve que usar o horário eleitoral gratuito para desmentir boatos e a campanha do então candidato à presidência dos Estados Unidos, Barack Obama, que teve que criar um site somente para desmentir informações falsas.

Crime

 Divulgar fatos inverídicos em relação a candidatos e partidos que sejam capazes de influenciar a opinião do eleitorado é crime de propaganda eleitoral segundo o Tribunal Superior Eleitoral. O artigo 57-D, da Lei número 12.034 (lei dos partidos políticos) relata que é livre a manifestação do pensamento na internet (incluindo a comunicação interpessoal por meio de mensagem eletrônica), sendo vedado o anonimato e assegurado o direito de resposta. A violação desse disposto acarretaria multas entre $ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

De acordo com o professor Razer Montaño, coordenador do curso de Sistemas de Informação da FESP-PR, é possível encontrar o autor de um hoax caso este, por desconhecimento, deixe que seu endereço IP seja enviado junto com o e-mail. Caso isso aconteça, Razer explica que é possível descobrir quem enviou o boato por meio do confrontamento de empresas provedoras de serviços. Mas, ele ressalva que uma pessoa enviar um e-mail sem que seja detectada a sua origem, pois qualquer um pode frequentar uma Lan House – que não pede documentação alguma – criar uma conta de e-mail em algum site e enviar, dessa forma pode-se saber a origem da mensagem, mas não quem a enviou.

O professor Razer concorda que com a disseminação dos computadores e da internet, muitas pessoas já sabem detectar um hoax e se precaver, no entanto, ao mesmo tempo e pelo mesmo motivo, muitos não tem essa experiência – pois estão dando os primeiros passos na rede – e maravilhados com essa tecnologia, acabam sendo enganados. “O que se deve fazer é orientar a população sobre os perigos digitais”, afirma.

Segundo Razer Montaño, os hoax podem trazer vírus que provocam desde brincadeiras para atrapalhar o usuário até programas que ficam escondidos no computador registrando e enviando ao seu criador tudo que o usuário digita, desde senhas de banco, números de cartão de crédito, etc. Ele explica que o hoax é enviado por diversos motivos e pode se configurar em diversos crimes.

Tipos de crimes em que o hoax pode ser enquadrado:

– Na difusão de informações falsas, pode ser enquadrado como calúnia e difamação nos artigos 138 e 139 do Código Penal e como Crime Eleitoral;

– Caso venha com vírus é crime de dano de acordo com a esfera civil;

– Caso induza alguém a entregar dados financeiros, é estelionato cuja pena é prevista no artigo 171 do Código Penal;

– Spam para sobrecarregar a rede também se enquadra no artigo 266 do Código Penal como atentado a serviço de utilidade pública;

– Pode ser enquadrado também no Código de Defesa do Consumidor e na Lei de Propriedade Intelectual.

Como se defender de um hoax:

– Cuidado com e-mails de pessoas e empresas que você não conhece ou que não tenha contato;

– Muitos vírus são projetados para usarem listas de contatos de pessoas infectadas. Desconfie caso um amigo lhe envie uma mensagem com conteúdo estranho ou se os links enviados na mensagem não condizem com o conteúdo;

– Não repasse mensagens cujo conteúdo você não tenha certeza se é verdadeiro. Na época de vacinação contra a gripe A, os boatos fizeram com que muitas pessoas desistissem da vacina, expondo-se ao risco de contrair a doença. Lembre-se que ao repassar um boato você pode contribuir para um prejuízo social considerável. 

3 Respostas para “A tecnologia do boato

  1. Texto muito informativo, esclarecedor e bem estruturado. No entanto, é sempre complicado falar em fatos, verdades ou inverdades, já que muitas informações dependem da interpretação. O melhor antídoto contra a proliferação de hoaxes e boatos é a educação e o desenvolvimento do senso crítico.

  2. Realmente estamos diante de uma nova barreira no direito de nosso país, precisamos legislar a internet, sem contudo perder os grandes avanços conquistados, concernentes à liberdade de expressão, trazidos por essa tecnologia de comunicação.
    Quanto ao anonimato das Lan Houses, seria interessante ressaltar que já estão em vigor muitas leis municipais e, em alguns casos, estaduais que obrigam o cadastro prévio de usuários dos serviços dessas empresas.

  3. Obrigada Wander, por acrescentar mais informações ao assunto! Obrigada ao Rodrigo também!

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